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sábado, 4 de outubro de 2014

Descansar em paz é para poucos em Bauru

Pessoas que não podem pagar sepultamento recebem assistência da Emdurb; órgão já precisa fazer acrobacias.

DANIELA PENHA/COLABORAÇÃO PARA O BOM DIA

A vista na varanda da balconista Maria de Fátima dos Santos, 42 anos, não é das melhores. A entrada da casa onde ela vive, no Parque Primavera, fica de frente para a parte final do cemitério Cristo Rei, área onde há três anos a prefeitura instalou um novo modelo de sepultamento, que chama de “columbário”.

Desde 2009, são nos columbários do cemitério Cristo Rei e Redentor que têm sido enterrados os bauruenses cujas famílias não têm condições de pagar velório e sepultamento. Nesses casos, a Emdurb (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru) arca com todos os gastos, desde que o munícipe comprove renda. Em resolução publicada no Diário Oficial no dia 1º de fevereiro de 2011, consta que os adultos seriam sepultados no Cristo Rei e as crianças no Redentor.

Na definição, os columbários municipais são gavetas subterrâneas feitas em ardósia (pedra), com espaço para três pessoas e que pretendem seguir o modelo dos “cemitérios jardins”. De jardim, entretanto, o novo modelo tem pouco ou nada.

Maria, que tem no columbário do Cristo Rei o cartão postal de casa, garante que não é algo bonito com que se conviver.

Em um terreno cujo comprimento pega quase uma quadra inteira, as gavetas de ardósia têm sido enterradas debaixo de terra fofa, sem gramado ou uma estrutura que as proteja.

Em um espaço de cerca de um metro são enterradas três pessoas. Para identificar o morto, uma placa de concreto com números é colocada por cima do terrão vermelho.

Não há nome, data de nascimento e de morte ou frases com a última mensagem.

Para quem não conhece essa região do cemitério Cristo Rei, na primeira visita a indignação é certa. Quem convive diarimente com a cena, como é o caso de Maria, reza para nunca precisar ser enterrada ali. “Imagine que tristeza para a família ter que colocar a pessoa querida em um lugar desses, como se fosse um número em um amontoado de terra?”.

A tragédia póstuma não termina por aí. Maria conta que, vez que outra, por ser muito fofa, a terra desbasta e as gavetas chegam a ficar descobertas. A reportagem do BOM DIA pôde presenciar a cena. Algumas com moscas em volta. “A situação fica ainda pior quando chove”, conta Maria.

Ela diz que o mau cheiro chega a ser insuportável. “As covas ficam abertas, é terrível. A gente não vence matar barata e rato em casa”. A conclusão que Maria tira é triste e uma só: “Pobre não tem boa vez nem mesmo pra morrer”, lamenta.

O que Maria não sabe é que até mesmo nesse columbário, que para ela é tão ruim, não há mais lugar para enterrar os mortos bauruenses. O columbário do Cristo Rei está temporariamente lotado. Agora, mesmo os adultos têm sido enterrados no cemitério Redentor, onde também são sepultadas, em condição assistencial, as crianças. Por lá, a situação é um pouco melhor. Uma estrutura de concreto e pedras pintadas de tinta branca foi construída para evitar que o columbário seja em terra fofa. A aparência é melhor: não há covas abertas e nem terra desbastada.

Na parte onde estão sepultadas as crianças, entretanto, alguns “túmulos” mais recentes têm sido feitos à mesma maneira do Cristo Rei: sob terra fofa, sem proteção.

O que também é comum nos dois columbários é a falta de identificação. Mesmo os columbários cobertos de concreto não têm nada além de números para identificar os mortos.

O gerente de necrópoles e funerárias da Emdurb, Paulo Jorge André, explica que a estrutura do cemitério Cristo Rei tem melhorado. Inclusive, diz ele, já foi comprada uma quantidade de grama que está no local aguardando plantio. Ele avalia que desde o final de 2011 a situação no cemitério tem melhorado. “A previsão é de que a grama seja colocada nas próximas semanas”, promete.

Sobre as placas, a Emdurb informa que cabe ao munícipe providenciar, caso queira.

Paulo André também explica que a obrigação do município é garantir que o cidadão tenha onde ser enterrado. “Isso independe do cemitério”. Ele diz que as exumações que serão realizadas no cemitério Cristo Rei no dia 1º de agosto irão liberar 24 vagas no columbário.

A exumação (mais informações ao lado) acontece três anos após o sepultamento e é a transferência dos restos mortais de uma pessoa da gaveta em que está para outro local.

Se a família do morto não tiver um jazigo onde possa enterrá-lo, os ossos são embalados e levados para o ossuário de Bauru. O ossuário já guarda entre 400 e 600 corpos, de acordo com as previsões da Emdurb.

Maria de Fátima, que não sabia da medida, se assusta: “Ai, minha nossa! Então o morto não tem nem esse pedaço horrível de terra para descansar?”.

A Emdurb explica que a medida é extremamente necessária: “A exumação garante a rotatividade e impede que realmente falte espaço para enterrar nossos mortos”, diz Paulo Jorge André. 

Acrobacias para que não faltem jazigos

Os columbários foram uma alternativa para evitar que falte espaço para enterrar os bauruenses. Eles foram construídos em 2009 como um modelo “inovador” e que ocupa bem menos espaço do que os túmulos convencionais, feitos em alvenaria.

A Emdurb garante que não faltam vagas e espaço para os mortos de Bauru. A fila de espera para a aquisição de um jazigo em vida, entretanto, é de 150 pessoas. Hoje, o esquema de columbários é a principal opção oferecida mesmo para quem pode pagar. Nos cemitérios da Saudade e São Benedito não há mais jazigos disponíveis para a aquisição, que é feita por concessão municipal. A única forma de um munícipe conseguir um jazigo nesses cemitérios é por meio de transferência de titularidade. Para conseguir transferir, entretanto, é preciso pagar.

O gerente de Necrópoles e Funerárias da Emdurb, Paulo Jorge André, afirma que há mais de 300 processos de transferência em andamento.

O gerente diz também que sempre há cerca de 10 jazigos disponíveis por dia, para o caso de procura imediata, por situação de morte. “No cemitério Cristo Rei, a aquisição é imediata”, diz. Se a procura ultrapassar a escala de 20 mortos em um dia, entretanto, como no caso de uma catástrofe, a situação complica. Ele afirma, entretanto, que nunca aconteceu de um bauruense procurar uma vaga e não encontrá-la. Não nega que a Emdurb precisa realizar acrobacias constantes para evitar que faltem vagas para enterrar os mortos da cidade. Os números são mesmo altos. Por mês, 120 pessoas são enterradas em cemitérios municipais de Bauru. 17 desses sepultamentos são feitos de forma assistencial.

Desde 2011, um projeto para a construção de um novo cemitério municipal está tramitando na prefeitura. Porém, Paulo explica que ainda há definições pendentes: “Estamos aguardando a exata disponibilização da área”, diz.

Assim, não há a mínima previsão de entrega.

As exumações são assim uma alternativa para se evitar a super lotação. Por lei, o município pode exumar os ossos das pessoas enterradas com assistência após três anos do sepultamento. A Emdurb explica que a medida é o que garante que sempre haja vagas para quem procura. Para a família, entretanto, a situação é complicada. Se passados os três anos, os familiares não tiverem adquirido uma jazigo onde possa enterrar os restos mortais do ente, eles são levados ao ossuário.

Para evitar que isso aconteça, o munícipe precisa pagar, optando entre comprar um jazigo próprio em um cemitério particular, com um gasto entre R$ 3 mil e R$ 4,5 mil, pagar um convênio mensal, ou entrar na fila para, ainda em vida, conseguir a concessão de um jazigo público, gastando entre R$ 2,5 mil e R$ 2,7 mil. Há ainda a opção das transferências de titularidade, que também é paga e necessita que uma família aceite transferir seu jazigo a outra ou a um ente.

Fonte: http://www.redebomdia.com.br

Suíços criam espaço para muçulmanos em cemitérios

As sepulturas muçulmanas do cemitério de Witikon, em Zurique, estão alinhadas para a Meca. (Keystone)

A procura de lugares para sepultamentos muçulmanos continua sendo debate na Suíça. Apesar de ser pouco usual, a prática deve se generalizar com o fortalecimento gradual da geração mais jovem no país.

No começo do ano, os meios de comunicação da Suíça geraram uma polêmica em torno da baixa utilização dos chamados “quadrados” muçulmanos - as áreas demarcadas em cemitérios municipais - pelas comunidades para as quais foram criadas. Desde 2000, uma dúzia de cidades, principalmente na parte de expressão alemã do país, reservaram uma parte de seus cemitérios para as pessoas de religião muçulmana.

Indignados, jovens membros do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) de Lucerna (centro) exigiram o fechamento do espaço inaugurado em 2008 no cemitério municipal Friedental, alegando que apenas dez sepultamentos ocorreram desde então. No cantão de St. Gallen (nordeste), o mesmo partido se opôs a uma nova lei sobre cemitérios que autorizaria os municípios a criarem espaços reservados aos muçulmanos. A lei acabou sendo aprovada em junho passado.

Por outro lado, a primeira notícia de um enterro muçulmano também ecoou na mídia. Foi o que aconteceu na cidade de Biel, em junho, menos de um ano após a criação de uma área podendo acomodar 800 sepulturas.

Laços fortes com a pátria
A polêmica causou incompreensão entre os interessados, mas também entre especialistas religiosos e até quem trabalha nos cemitérios. Esses explicam na imprensa de Basileia e Lucerna, que os defuntos pertencem principalmente à primeira geração de emigrantes, que prefere ser enterrada em seu país.

Segundo estimativas da Associação das Organizações Muçulmanas de Zurique (VIOZ), mais de 90% dos mortos são repatriados ao país de origem. "Os mulçumanos que estão morrendo agora ainda têm fortes laços com a pátria”, explica Muhammad Hanel, porta-voz da associação. “Isto irá mudar dentro de uma geração, ou seja, daqui a 25 anos", prevê.

Essa opinião compartilhada por Andrea Tunger-Zanetti, especialista em islamismo e coordenador do Centro para o Estudo das Religiões da Universidade de Lucerna. "O número de sepultamentos muçulmanos vai inevitavelmente aumentar na Suíça à medida que os jovens que nasceram e têm suas raízes aqui envelhecerem", disse.

O direito a um sepultamento decente é regulamentado pelo artigo 7º da Constituição Federal que protege a dignidade humana. "O mandato é claro. Sua aplicação é uma questão de interpretação política. Na minha opinião, colocar à disposição uma infraestrutura adequada também é uma medida de integração", diz Zanetti.

Desejo existencial
Em um relatório sobre a nova lei, o governo do cantão de St. Gallen (nodeste) apontou para a falta de alternativas ao repatriamento dos corpos, sustentando que isso seria prejudicial para a integração. "O desejo da população muçulmana é existencial", observaram as autoridades.

O governo cantonal acrescentou que o crescente número de muçulmanos na Suíça também irá aumentar a necessidade de sepultamentos de acordo com a fé dessas pessoas. As últimas estatísticas confirmam essa tendência.

De acordo com os dados de uma pesquisa sobre as comunidades religiosas publicada no início de julho, com base no censo federal de 2000, 310.807 muçulmanos moravam na Suíça na virada do milênio, ou 4,26% da população. Em 1970, eles representavam apenas 0,26% dos residentes do país.

Concessões cerimoniais
O cantão de Zurique, que tinha cerca de 102.000 muçulmanos em 2007, ou quase 8% da população, também debate a questão. A cidade de Zurique criou um espaço muçulmano no cemitério de Witikon, em 2004. O segundo espaço será inaugurado em Winterthur em outubro.

"Conseguimos algo muito importante depois de décadas de luta, por isso apreciamos muito o acontecimento”, disse Issa Gerber, membro da Comissão dos Cemitérios da VIOZ; 131 pessoas foram enterradas no cemitério de Witikon de acordo com o ritual muçulmano desde 2004 e ainda há 320 lugares. "O espaço tem uma área de 2520 metros quadrados. O de Winterthur será muito maior e oferece 380 lugares em 3700 metros quadrados”, explicou.

Como em outros lugares, as comunidades muçulmanas fizeram algumas concessões. A religião exige que o corpo seja enterrado em uma mortalha sem caixão, e, teoricamente, em um lugar reservado para a eternidade para uma pessoa.

Os muçulmanos da Suíça, no entanto, aceitaram o caixão e o fato que muitos sepultamentos possam ser realizados no mesmo local. Até três, com um intervalo de 20 anos, em Zurique. Em La Chaux-de-Fonds, os corpos não são enterrados na direção da Meca, mas a cabeça pode ser inclinada em direção ao sudeste.

Problemas de vizinhança
Em Zurique, como em Liestal, os funerais islâmicos não deram reclamações. Na vizinhança, tanto com os particulares como as religiões estabelecidas, não há problemas. Na cidade de Liestal, no cantão de Basileia-Campo, a controvérsia em torno da criação de um espaço para os muçulmanos gerada pelo jornal "BaslerZeitung" foi considerada como uma "tempestade em copo d'água" pela população.

Ainda assim, as oposições são muitas vezes violentas quando um projeto é criado em um vilarejo. No cantão de Berna, a administração de Köniz se recusou a criar um espaço muçulmano, mas a câmara dos vereadores acabou aceitando. "No cantão de Zurique, com exceção de Winterthur e Zurique, as cidades nos criam muitas barreiras", diz Issa Gerber.

De acordo com Andrea Tunger-Zanetti, os muçulmanos também podem, como a comunidade judaica, organizar cemitérios privados. "Mas é caro. Deve ter uma instalação adequada para o tratamento dos restos mortais e esta comunidade não parece ser capaz de escolher esta solução", disse.

Ariane Gigon, swissinfo.ch 
Adaptação: Fernando Hirschy